Para falar sobre o progressivo produzido na região do País Basco, é preciso contextualizar as narrativas, a comunicação que farei. Em 1939 se instalou um regime governamental semi-fascista na Espanha, sob o comando de Francisco Franco. E foi somente com sua morte, aos 82 anos de idade, em novembro de 1975, que o país pôde começar a fazer sua transição para a democracia. Esse período também não foi fácil, pois apesar de seu grande desenvolvimento econômico nas décadas de 50 e 60, o país viveu um relativo isolamento por parte da maior parte da Europa, por conta de seu alinhamento (parcial) ao grupo do Eixo (que incluía Alemanha, Itália e Japão) no decorrer da Segunda Grande Guerra. A primeira eleição, depois de décadas, se deu em junho de 1977. Falando especificamente do País Basco, ele se encontra no extremo norte da Espanha, e tem uma extensão considerável dele que se encontra na França. Bem, em 1959 surge um dos mais fortes grupos separatistas da região, o ETA (Euskadi Ta Askatasuna; em basco: Pátria Basca e Liberdade), que prega a autonomia da região, inclusive por meios violentos. O símbolo desse grupo é uma serpente enrolada num machado (quem aí lembrou da cobra da Lost Vinyl Records?). A luta separatista amenizou a partir da Constituição espanhola de 1978, que reconheceu autonomia parcial à região. Mas o fim desse coletivo armado só ocorreu de fato em 2017.
Portanto, durante toda aquela efervescência musical alemã, italiana e sobretudo inglesa do início dos anos 70, os espanhóis estavam submetidos a uma ditadura. E já se sabe irrefutavelmente que em qualquer ditadura, a diversidade cultural e artística fica muito prejudicada. Até que alguns lançamentos, no referido país, ocorreram na primeira metade daquela década, mas foram poucos, e a grande maioria, de qualidade bem inferior ao que estava sendo feito nos outros países que mencionei. Detendo-nos mais especificamente no País Basco, além do fato de que foi uma região turbulenta do ponto de vista político e social pelo menos até final de 1978, ainda me faço as seguintes perguntas:
- havia, por parte do governo espanhol, algum tipo de restrição ou boicote às manifestações culturais e artísticas vindas do País Basco?
- estavam os músicos submetidos à liberdade de expressão, no que tange ao estilo musical adotado (até onde poderiam fazer algo mais para a linha do Jazz-Rock Fusion, do Canterbury ou outras vertentes?) e sobretudo com relação à língua adotada?
Se juntarmos essas linhas de força com a queda da popularidade do rock progressivo, a partir de 1979, pode-se afirmar que a Espanha e sobretudo o País Basco teve bem pouco tempo para aproveitar e participar da “onda progressiva” dos anos 70.
Agora sigamos pela resenha do disco.
Bastante violão no início da primeira faixa, boas seções rítmicas, e belos vocais e harmonias na língua nativa. Baixo marcante. Tem umas intervenções interessantes de sintetizadores. A guitarra costuma ser bastante usada de forma rítmica. Tem um bonito som no clarinete, quando o mesmo participa, sobretudo no lado A. Boas variações rítmicas.
Na faixa de abertura tem uma boa intervenção feita pelo baixo, para marcar a passagem de uma seção para outra. E o uso do sax, no meio da música, traz uma firmeza para a composição.
Os fonemas da língua basca são parecidos com os da língua portuguesa, mas o sentido das palavras ora é igual, ora é bem diferente.
Uma parte da letra vai “tempestades dentro de alma / mar tempestuoso / século sem estrelas e sinos / nervoso / choro silencioso / a dor / a paixão / sempre desiste / a dor atravessa os tempos / renúncias de boa vontade / dores encomendadas”
Uma bela flauta abre a segunda faixa. Seções rítmicas um pouco mais aceleradas, com suingue, belos solos da guitarra, harmonias bem construídas. Bastante emoção nos vocais, salientados pelos instrumentos de sopro, e uma marcação levemente jazzística. Violão inspirado. Vocais femininos e masculinos.
Fabuloso início da 3ª faixa, no violão, e marcações inventivas, levemente jazzísticas, nas percussões. Vocais bem melódicos. Aliás, como em praticamente todo o disco.
Na 4ª faixa, o clarinete cumpre um papel relevante. Solos suaves na guitarra, e algumas marcações com efeitos inventivos da guitarra. Vocais femininos e masculinos, com algumas orgânicas combinações entre os dois.
A próxima faixa tem ótimos vocais. O instrumental é um pouco simplório. O clarinete até dá um toque especial à composição, mas nada que a torne uma das melhores do álbum. É uma das faixas mais longas, passando um pouco dos 6 minutos.
Muito singular e coeso o timbre conseguido no início da penúltima. Tem o sax, agudo, mas ele apresenta um vibrato atípico. O clarinete está com uma execução técnica e potente, acompanhado de seções rítmicas com uma atmosfera jazzística muito bem executada. Os refrões nos vocais estão entre os melhores no disco. Os diálogos entre a guitarra e os sopros também chamam a atenção.
A última faixa é o ponto alto do disco, e pode constar de qualque coletânea de rock progressivo. Os fraseados no violão, com algumas notas sendo ressaltadas aqui e ali pelo xilofone (emulado?). Todos os instrumentos estão maravilhosos, como a flauta e os atabaques (esses só entram mais para o final da composição). Todos os instrumentos, quando entram, o fazem com tanta gentileza e amor, impressionante. As vocalizações, geniais. A tradução para o título dessa música é “Saudações”.
Um dos grandes representantes do prog folk basco.
Tracks:
01. Ekaitzak (6:38)
02. Enu Olatu Odoldvak (3:17)
03. Zu Maitatzea (2:50)
04. Chorinoac Kaiolan (4:34)
05. Ondoan ez dut inor (6:12)
06. Zuek ez dazizue (5:35)
07. Agurra (4:21)
Musicians:
- Amaia Kareaga / vocals
- Joxe Portela / vocals and acoustic guitar
- Ramón Gardeazabal / guitar
- Iñaki Arnual / bass
- Iñaki Urretxaga / winds
- Javi Robador / drums
- Iñaki Gutierrez / voice and guitars
Piano assistent:
- “Ixetxe”.
Discography:
1979 ● Enbor.
1980 ● Katebegiak.
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