Chamado de "O GENTLE GIANT brasileiro" o TERRENO BALDIO usou
de diversos elementos musicais brasileiros em sua música, dando uma
brasilidade que a diferenciou de outros grupos da época. Isso fica claro
nesse segundo disco do grupo, lançado em 1977.
O grupo foi contratado pela Continental, que exigiu uma gravação
inspirada no folclore brasileiro; então o grupo gravou "Além das Lendas
Brasileiras", com novo baterista, Ayres Braga. Em 1993 o grupo (desta
vez formado por Mozart, Kurk e Lazzarini) se reuniu para, a exemplo do
RECORDANDO O VALE DAS MAÇÃS, regravar o primeiro LP para o selo
Progressive Rock Worldwide com as letras em inglês porém usando a capa
original!
A música do TERRENO BALDIO
sempre teve uma "pegada Progressiva", que era fora do comum aos padrões
da época, característica por ser bem trabalhada harmônica e
musicalmente, ritmicamente, sendo essa a marca da pegada Prog.
A
primeira faixa, "Caipora" começa logo rasgando com um som da floresta.
Flauta doce acompanhada de algumas cordas, ou guitarra ou violão. Vem a
bateria, caixa, muito rápida, tremendo, trepidando, com um tecladinho de
fundo, frenético também. Vem a voz, cantando a Caipora, fazendo
louvação à entidade ardilosa. A Caipora corre mais que corre, protegendo
sua flora, e corre a galope, a galope de anta, desviando dos galhos,
distribuindo salves para os elementais e bichos da floresta.
"Saci-Pererê" traz a coragem vocal de João Carlos Kurk. Essa é uma das
músicas mais frenéticas e instigantes que você já ouviu. A bateria ainda
é mais frenética que "Caipora", o teclado já começa rasgando na linha
Progressivona: fazendo o som ascender numa introdução PANCADA. Se a
Caipora vai a galope, o Saci vai de redemoinho.
Pra
quem já ouviu a versão de "Passaredo" de Chico Buarque e Francis Hime,
esqueça. Aqui a música ganha uns graus a mais de gravidade que faz dela
uma outra coisa. Se a música de Chico e Hime é dos céus, dos vôos altos,
a do TERRENO BALDIO é das copas das árvores no crepúsculo das
17h, que é quando os pássaros fazem suas assembleias e narram o que se
passou durante o dia, que é quando narram os perigos que enfrentaram, os
encontros com os inimigos, as fugas e desvios no chão e no ar, as caças
bem e mal sucedidas, as indigestões e as inevitáveis mortes.
"Primavera" segue Passaredo. Ritmo mais calmo, pra frente, uma
inspiração do ar das flores. É como se o som se instalasse justamente na
contração do ar, ao contrário de "Caipora" e "Saci-Pererê", marcada por
exalações.
"Lobisomem"
traz um clima soturno que faz a gente sentir a noite de luar, faz a
gente sentir a tensão do ar úmido da noite, porque os predadores
enxergam até melhor na lua cheia. A umidade é feita pelo teclado de
Lazzarini, e a noite densa cobre a floresta graças à guitarra de Mozart
de Mello e ao baixo de Ayres Braga. A velocidade do disco é incrível, as
notas são coladas umas nas outras, sem deixar que o silêncio reverbere
para além das lendas. A bateria, a cargo de Joaquim, é o que dá a
quebradeira infinita. As bases são secundárias, e não primárias. Mesmo o
que não pode ser considerado Progressivo vai por aí.
A
sexta faixa, "Curupira", mantém a tensão da noite, mas é uma noite de
lua crescente. Vem um som emprestado das estrelas, que é o teclado que
dá. É incrível como aqui eles conseguiram aliar o som espacial ao som
das florestas, como BACAMARTE fez tão bem na faixa "UFO". "As Amazonas" é
a música mais quebrada do disco. Empresta da imaginada guerra das
florestas a polirritmia das pedras amassando as caixas cranianas, das
lanças rasgando caixas torácicas, das flechas zunindo e cortando o peso
do ar. "Iara" é a borda do rio na maré baixa e calma. É a mata ciliar,
com suas sementes de vida, com sua lenta absorção da água que está logo
ali. Melodia calma, órgão de igreja e flauta doce inspirada pelo céu
rosa-púrpura, na aurora. São frases belíssimas de flauta acompanhadas
pelos pratos secos. A letra poderosa é um grande elogio à mais bela das
entidades. Bela música. Negrinho do Pastoreio" vem pra fechar o disco. O
teclado é que faz, através da repetição de uma frase belíssima, o disco
sumir aos poucos. Sem letra, a música, na linha de A BARCA DO SOL e do terceiro disco de SOM IMAGINÁRIO, traz logo no início um choro de viola que poucos souberam fazer.
O
disco ganha muito, por ter como tema algumas lendas brasileiras. Dar
sonoridade roqueira ao imaginário de quem vive no mato fazendo a
aproximação com a cultura urbanóide é muito interessante. É encontrar
fora da cidade de asfalto a matéria que pode transformar o universo com
mais velocidade. É uma aproximação, uma ligação, uma ponte. Os dois
multiversos ganham, porque há penetração, há absorção de um no outro.
RECOMENDADO!
Tracks:
01. Caipora (2:38)
02. Saci Pererê (3:09)
03. Passaredo (2:56)
04. Primavera (3:23)
05. Lobisomem (5:19)
06. Curupira (4:59)
07. As Amazonas (3:37)
08. Iara (3:33)
09. Negrinho do Pastoreio (3:47)
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