País: França
Gênero: Zeuhl
Álbum: BBC 1974 - Londres
Ano: 1973
Não há a menor possibilidade de dúvidas de que essa banda criou um estilo próprio, o Zeuhl. E que tanto o estilo quanto o grupo Magma seguem sendo uma referência para um punhado significativo de outras bandas. Isso não acontece da mesma forma com outros sub-gêneros. Nenhuma banda, no progressivo, pode reivindicar somente para si a criação de um estilo musical. Alguns até tentam fazer isso com Frank Zappa, mas falar sobre um som zappiano gera muita controvérsia, e ele não criou um estilo que tenha ido além de seu nome. Farei agora uma breve descrição de algumas das características da sonoridade do MAGMA.
Outra singularidade desse grupo é que sua instrumentação tem nuances que não são comuns no progressivo. O baixo costuma ter uma afinação diferente da habitual, a bateria faz muito uso de marchas, há pouca participação da guitarra, e usa-se com frequência instrumentos de sopro, mas muito mais da forma como CARL ORFF e STRAVINSKY usavam, do que pela influência dos compositores barrocos ou clássicos. Por fim, e esse é a característica do MAGMA que mais o diferencia dos outros grupos, eles sempre (desde o primeiro disco) fizeram uso de uma linguagem “totalmente” inventada pelo Christian. A que nomeou de Kobaiah. Essa língua é uma mistura de algumas línguas indo-européias, com algumas invenções do mentor da banda. Mas calma, essa língua não tem uma sintaxe e gramática próprias: conforme Christian já relatou algumas vezes, há palavras que não significam nada, e estão lá somente para entregar efeito(s) sonoro(s). Creio, embora eu não tenha total segurança a esse respeito, que os títulos das faixas dos discos e dos álbuns remetam sim, sempre (ou quase sempre) a algum(ns) significado(s) muito específico(s). Há ainda um outro ponto, que tem mais a ver com o Christian Vander do que com a banda. O mesmo cita o saxofonista de jazz JOHN COLTRANE como uma (ou talvez a maior) influência em sua carreira, e sua grande fonte de inspiração. Christian era adotado, e seu pai, um músico de jazz em Paris, tinha notoriedade o suficiente para circularem entre nomes de mais peso do gênero, tanto de seu país, quanto os de fora que iam tocar lá. A primeira bateria de Vander foi dada pelo CHET BAKER, e ele recebeu suas 1as aulas com ELVIN JONES, o baterista do grupo de COLTRANE. Bem, esse enxergava a música como um meio de buscar a própria espiritualidade, e a meu ver é nisso que Vander (cabe pontuar que esse é o único membro fixo do grupo no decorrer de sua discografia, segundo um vídeo no canal de youtube Progland) encontra inspiração para seus trabalhos. Apesar de COLTRANE ter tido uma fase em que as estruturas musicais são meio repetitivas e marciais, se assemelhando portanto ao instrumental do zeuhl, ainda assim as diferenças são muito significativas (tanto na concepção dos solos, das jams e dos arranjos). Vejamos mais alguns elementos sobre os quais baseio essa minha afirmação: Zeuhl significa música celestial. Já ouvi falar um pouco sobre quais as histórias contidas em alguns de seus discos, e é muito recorrente, muito mesmo, temas como a busca de um indivíduo, e mais significativamente de grupos ou povos, pelo crescimento pessoal e iluminação. Por fim, e ainda nesse assunto da influência de COLTRANE, quando esse faleceu, Christian ficou mal, e fez uma espécie de retiro na Itália, por 2 anos. Assim corroborando que se tratava mais da Pessoa (no sentido antropológico e existencial) de COLTRANE, do que de sua música.
Todo esse enredo acima falou um pouco sobre o MAGMA e os elementos de sua música. Cabe colocar aqui que o grupo foi criado em 1969. Pois bem, quando falamos em Zeuhl, a menção ao Magma não ocorre somente porque eles foram (e continuarão sendo por muito tempo ou para sempre) a maior banda do estilo. MAGMA tem conexões com outras bandas que também são do estilo zeuhl. Em uma pesquisa superficial que fiz, em grupos como WEIDORJE, ZAO, ONE SHOT e GORGONE têm entre seus integrantes um ou mais músicos que estiveram no Magma. Sem contar que na carreira solo de (ex-)músicos dessa banda, vez ou outra o zeuhl também se faz presente.
A partir de agora começa a resenha sobre esse álbum. Começa com uma entrada firme nas evoluções rítmicas, em como nos vocais. Logo fica mais calmo, com dedilhados tranquilos nos instrumentos. Isso faz a atmosfera ficar envolvente. Numa seção instrumental de curta duração. Os vocais vão entrando devagar, pedindo licença aos poucos. Nisso o canto vai crescendo, mas sem obnubilar o instrumento, que agora vai acrescentando alguns elementos, como por exemplo os pratos. Vez ou outra a massa sonora parece que vai crescer, mas volta à calmaria. Harmonias vocais extremamente intrincadas e poli-cadenciadas estão sempre acontecendo. Tem dois refrões vocais em kobaiah que vão se repetindo bastante, lindíssimos. Quando já se vão quase 6min de música, aí a massa sonora se avoluma de verdade. Impressionante os diálogos entre os refrôes vocais e as seções percussivas. Dessa vez, com dois músicos assumindo o piano Fender, assim como os teclados, conseguem produzir as atmosferas que em Mekanïk Destruktïw Kommandöh eram produzidos pelos metais. Bem, a partir do sétimo minuto a cadência fica mais, digamos, galopante, com os teclados assumindo um ritmo hipnótico. Os timbres vão ficando cada vez mais agudos, até que com 10:29 há um rompante instrumental, que antecede novos vocais, dessa vez mais encorpados e graves, combinando perfeitamente com o instrumental. O Fender apresenta uns fraseados robustos e tribais. A imagem que me vem à cabeça é de numerosas pessoas marchando para algo grandioso. Em um dado momento, a partir dos 14min no caso, os vocais ficam com um tom mais celestial. Os instrumentos também vão assumindo algumas liberdades, apresentando algumas notas a mais dentro daquilo que a composição permite. Tudo isso traz um certo feeling jazzístico à obra, e música vai crescendo maravilhosamente. É como se aquele grupo que estava marchando fosse encontrando uma motivação exuberante. Fraseados espetaculares na guitarra, e agudos incríveis dos vocalistas (ao que parece, quem consegue esses agudos é o Klaus Basquiaz). Nossa, cantam muito! Dessa vez, combina-se o kobaiah com vocalizações em sustentido e em soprano. Absolutamente fenomenal! Com 21min desaceleram e ficam bem mais melódicos. Com os vocais dessa vez mais sussurrados do que cantados, apresentam lindas harmonias! E a guitarra e sintetizadores vão contornando muito bem os vocalistas. Nesse momento vão repetindo o refrão Theusz Hamtaack, mas não fica repetitivo, por causa da infinidade de nuances, timbres, volumes e cadências que vão explorando. A música vai lentamente ganhando velocidade, com vocalizações cada vez mais apoteóticas. Christian apresenta seus agudos quase estridentes. E mais para o finalzinho um solo + fraseados no Fender dão conta de imprimir um instrumental estonteante. De repente a música praticamente pára. Daí harmonias vocais extremamente celestiais assumem o espaço, como introdução à última seção da composição. E mais uma vez repentinamente o instrumental volta pleno, com a guitarra desenvolvendo notas agudas bem marcantes. A variedade de compassos rítmicos é impressionante nessa parte. E a música termina. Bem, algo importante para saber sobre Theusz Hamtaack é que essa composição tanto dá título a uma trilogia, quanto é a primeira parte dessa trilogia. A segunda parte se chama Ẁurdah Ïtah, e a terceira, Mekanïk Destruktïw Kommandöh. Essa primeira parte da trilogia até hoje - abril de 2025 - nunca ganhou uma versão de estúdio, mas já foi apresentada várias vezes ao vivo.
A segunda e última faixa começa com um chamado, uma incitação alta e firme, quase gritada: "La Bataille!" E entra uma massa sonora espetacular, com vários detalhes e fraseados intensos nso sintetizadores e Fender. A bateria de Christian está igualmente inspiradíssima. Vocalizações que funcionam quase como solos de guitarra vão se sucedendo. As viradas na bateria estão fenomenais. Com quase 3min a música acalma, mas continua dramática, e rapidamente volta a ficar grandiosa. Sem nenhum interlúdio ou introdução, a música, que estava num looping hipnótico, muda para uma abordagem que combina STRAVINSKY com JOHN COLTRANE, numa interpretação progressiva. Só Christian Vander consegue fazer algo assim. Nesse meio tempo executam umas vocalizações muito loucas, que parece uma mistura de diferentes pássaros cantando ou gritando, com barulhos de insetos. Nossa, é muita criatividade! Em seguida a música fica mais tranquila, numa meia cadência, enquanto cantam em kobaiah, naquele estilo celestial que adotam bastante. Um clima misterioso é desenvolvido no Fender, enquanto o baixo vai entregando timbres envolventes. Vocalizações sussurradas criam um suspense e um clima de floresta à noite. Cabe salientar aqui que uma das invenções que o zeuhl realizou aparecem bem aqui. Jannick Top contorna algumas viradas da bateria de um jeito que assumem uma sonoridade, um timbre e uma duração muito singulares. Voltando à música, essa cresce, principalmente no baixo e bateria, e de repente o baixo pára, dando mais espaço à bateria e ao Fender, que por sua vez ficam mais rápidos. Notas longas no Fender fazem um contraste com os pratos sendo massacrados por Vander. Aproveito agora para apontar que o zeuhl tem diferenças importantes de um disco para outro. Köntarkösz, por exemplo, desde sua versão de estúdio, conta muito mais com teclados do que M.D.K., e há uma diferença de apenas um ano (aproximadamente) entre os dois lançamentos. Aliás, enquanto em Theusz Hamtaack o eixo central da composição investiu nos vocais, em Köntarkösz, foi centrado nos diálogos bateria/teclados. Voltemos: a guitarra vai pontuando notas, até que tanto os teclados quanto os vocais vão crescendo até um patamar apoteótico e grandioso. É muito impressionante como Christian consegue manter um fraseado ao mesmo tempo em que faz sutis mudanças de arranjos e notas. O homem é uma enciclopédia de possibilidades na bateria, sem nunca abandonar o estilo próprio. E aí, com 24:20 começam a entoar Aleluia repetidamente, mas fazendo variações o tempo todo nos timbres e interpretações. A música ganha muita massa de repente, com variações rápidas nas seções rítmicas, virando quase um solo de bateria. Todos os instrumentos ganham muito corpo e robustez. A coisa toda fica super encorpada, e perto do final começam a repetir Aleluia de novo. Vander, como compositor, mostra nessa apresentação que estava inspiradíssimo naquela época para criar épicos grandiloquentes. Cabe apontar aqui que o disco de estúdio, lançado no mesmo ano, tem como principal "atração", a faixa Köhntarkösz, que de fato dura quase 30min (aliás, no álbum de estúdio é dividido em duas partes, e cada uma delas fica de um lado do vinil). Ademais, escutei algumas outras versões ao vivo, tanto de Theusz Hamtaack, quanto de Köhntarkösz, e essas são as melhores.
Quanto à arte da capa, há pelo menos duas versões. A que usei é do lançamento remasterizado do disco, feita pela AKT, um braço da Seventh Records, o selo conduzido pelo casal Vander (Christian e Stella).
Faixas:
01. Theusz Hamtaahk (29:56)
02. Köhntarkösz (27:08)
Músicos:
- Klaus Blasquiz / vocals, percussion
- Claude Olmos / guitar
- Michel Graillier / Fender piano, keyboards
- Gérard Bikialo / Fender piano
- Jannik Top / bass
- Christian Vander / drums, vocals
Discografia:
1970 ● Magma [álbum duplo].
1971 ● 1001° Centigrades [Aka: 2].
1973 ● Mekanïk Destruktïw Kommandöh.
1974 ● Christian Vander: Tristan et Iseult [Aka: Ẁurdah Ïtah] (OST).
1974 ● Köhntarkösz.
1975 ● Live/Hhaï (Köhntark).
1976 ● Üdü Ẁüdü.
1977 ● Inédits. Live.
1978 ● Attahk.
1981 ● Retrospektïẁ III. Live.
1981 ● Retrospektïẁ I-II. Live.
1984 ● Merci.
1989 ● Mekanïk Kommandöh.
1992 ● Concert 1992, Douarnenez: Live.
1995 ● Concert Bobino 1981. Live.
1996 ● Concert 1971, Bruxelles - Théâtre 140. Live.
1996 ● Concert 1975, Toulouse - Théâtre Du Taur. Live.
1996 ● Concert 1976, Opéra De Reims. Live.
1999 ● BBC 1974 - Londres. Live.
2001 ● Theusz Hamtaahk - Trilogie. Live.
2004 ● K.A (Köhntarkösz Anteria).
2008 ● Bourges 1979. Live.
2009 ● Live in Tokyo.
2009 ● Ëmëhntëhtt-Ré.
2012 ● Félicité Thösz.
2014 ● Rïah Sahïltaahk.
2014 ● Zühn Wöhl Ünsaï - Live 1974.
2015 ● Retrospektïẁ I. Live.
2015 ● Retrospektïẁ II. Live.
2015 ● Slaǧ Tanƶ.
2018 ● Marquee Londres 17 Mars 1974. Live.
2019 ● Zëss - Le Jour du Néant.
2021 ● Eskähl 2020 (Bordeaux-Toulouse-Perpignan). Live.
2022 ● Kãrtëhl.
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