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domingo, março 19

KRAUTROCK


O Krautrock em essência é o nome dado à todo movimento musical surgido na Alemanha à partir da segunda metade da década de 60, principalmente depois de 1968 e que possuía como característica principal o Experimentalismo, através da síntese de influências que transitam entre a psicodelia e as vanguardas eruditas do século XX (músicas concreta e a eletroacústica), incluindo ainda passagens pelo minimalismo, pelo atonalismo e pelo Free Jazz. Havia também, um gosto obsessivo por dissonâncias, ruídos, colagens sonoras, improvisação e ritmo, e grande utilização de sintetizadores (instrumentos musicais eletrônicos projetados para produzir sons gerados através da manipulação direta de correntes elétricas). Frequentemente preocupava-se mais com o timbre do que com a melodia. A origem do termo Krautrock ainda é incerta, porém muitas fontes atribuem ao DJ inglês John Peel, quando ele se deparou com o álbum "Psychedelic Underground" gravado em 1969, pela banda AMON DÜÜL, de Munique. A música "Mama Düül und Ihre Sauerkrautband spielt auf" (Mamãe Düül e sua banda chucrute tocam). Kraut era também a forma como os alemães eram chamados pelos ingleses na Segunda Guerra Mundial. Acredita-se que tenha sido criado a partir da expressão popular Kraut, que significa uma pessoa alemã, e por sua vez derivada do prato tradicional alemão chucrute, sauerkraut (literalmente "repolho azedo"). O termo acabou "pegando" até mesmo entre os alemães, embora com caráter depreciativo, sendo que mais tarde ganharia um significado positivo, sendo atualmente visto como um título de reconhecimento ao invés de insulto.

■ ORIGEM

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, após a aberração do nazismo, o território alemão foi ocupado e dividido entre os aliados e a então União Soviética, criando-se zonas administrativas controladas pelos exércitos francês, inglês, americano e soviético. Na zona ocidental da Alemanha, a presença norte-americana fazia-se sentir de forma particular. Tal como Hollywood nos ensinou, a ocupação conduzida pelos sobrinhos do Tio Sam nunca foi meramente administrativa ou militar para que a sua presença se fizesse realmente sentir, além de tanques, os americanos posicionavam estrategicamente máquinas de Coca-Cola, Cadillacs desproporcionados para as escalas europeias e antenas de rádio que propagavam essa invencível arma secreta o Rock'n'Roll! Os efeitos de tal presença sobre a identidade da geração que emergiu depois da rendição nazi foram profundos e dramáticos. No arranque da década de 60, a identidade musical alemã dividia-se em dois extremos: por um lado os inócuos cantores populares que na televisão davam a ideia de uma felicidade forçada, por outro o exemplo extraordinário do compositor Karlheinz Stockhausen, cuja música circulava pelos mesmos meios académicos que incendiariam a realidade política e social das capitais europeias antes do final da década. O compositor alemão esteve na Califórnia onde deu palestras sobre música experimental a audiências que incluíam gente como Jerry Garcia, dos GRATEFUL DEAD ou Grace Slick, dos Jefferson Airplane e, como explica Julian Cope no seminal livro Krautrocksampler (Head Heritage, 1995), «ao invés de desprezar a nova música, Stockhausen foi visto num concerto dos JEFFERSON AIRPLANE no Filmore West e terá dito que a música o "arrasou completamente"». Os jovens músicos alemães estavam atentos: o mesmo compositor sério que simbolicamente tinha «destruído» o hino alemão na sua famosa obra Hymnen, irritando tanto a esquerda intelectual como a direita conservadora, abraçava também as possibilidades da experiência psicodélica. Holger Czukay, aluno de Stockhausen e ele próprio professor, mostrava obras do seu mestre a alunos em 1968. Um deles, Michael Karoli, respondeu na mesma moeda e tocou uma gravação de «I Am The Walrus» dos BEATLES numa aula. Czukay, até aí imerso no universo erudito, teve uma revelação, e juntamente com Irmin Schmidt e Michael Karoli formou uma banda de Rock, os influentes CAN que haveriam de visitar Lisboa no final da década seguinte. As bandas britânicas PINK FLOYD, PROCOL HARUM, BEATLES, ROLLING STONES, MOODY BLUES, as psicodélicas americanas: GREATFUL DEAD e JEFFERSON AIRPLANE, entre outras, eram as maiores referências dos jovens que viviam no epicentro da Guerra Fria. A Alemanha estava infestada de mísseis nucleares russos e norte-americanos; Berlim era uma cidade dividida; e os horizontes daquela geração só mudariam de cor se houvesse mesmo muita mobilização da cidadania. Foi o que houve: o país vivenciou de perto todo o idealismo emblemático de Maio de 68 e a democracia prosperou a largos passos, com as artes dando substancial contribuição a isso.

■ O WOODSTOCK ALEMÃO

O evento "Internationale Essener Songtage", produzido e idealizado em 1968 pelo jornalista Rolf-Ulrich Kaiser na cidade de Essen, foi fundamental para que os grupos de Rock alemães ganhassem autoconfiança e passassem a ser reconhecidos em escala continental. O bem-sucedido festival, que foi considerado posteriormente como "Woodstock" alemão, abriu espaço pela primeira vez para bandas da Alemanha tocarem diante de um grande público, com cerca de 40 mil espectadores. GURU GURU (de Heidelberg), TANGERINE DREAM (Berlim), XHOL CARAVAN (Wiesbaden) e AMON DÜÜL subiram ao palco, ao lado de atrações internacionais como FRANK ZAPPA e seu grupo THE MOTHERS OF INVENTION, THE FUGS, FAMILY e JULIE DRISCOLL. Em seu livro "Das Buch der Neuen Pop Musik" (O Livro da Nova Música Pop), publicado em 1969 pela Econ Verlag, de Düsseldorf – a mesma cidade de onde saiu o KRAFTWERK –, Rolf-Ulrich afirmou que o evento "foi a primeira grande documentação apresentada na Europa sobre os diferentes gêneros musicais da atualidade e da cultura underground". A imprensa da época entendeu de outra forma, e até a revista "Der Spiegel" disparou sua crítica contra a suposta "festa delirante da pornografia", como ressalta Rolf-Ulrich em seu livro. O norte-americano Zappa, um dos papas do Rock experimental, já declarava seu interesse pela então emergente música eletrônica, que mais tarde iria desaguar na música do KRAFTWERK e na Love Parade, de Berlim. Mas o músico também tinha críticas: "É necessário saber produzir música eletrônica e saber entender a sua tecnologia. Mas infelizmente são poucos os estúdios dedicados a ela e raros os de boa qualidade", afirmou o líder do vanguardista THE MOTHERS OF INVENTION ao jornalista e produtor alemão. Em 1971, o próprio Rolf-Ulrich Kaiser iria fundar os selos fonográficos Ohr Musikproduktion e Pilz, que desempenhariam importante papel na divulgação do Krautrock. "Enquanto o Ohrmusikproduktion se especializou em sons da esfera psicodélica, experimental e eletrônica, o Pilz ficou com o Folk-Rock. Em apenas três anos, eles lançaram cerca de 50 LPs, afirmou Uwe Husslein em seu artigo publicado no livro "Summer of Love – Psychedelische Kunst der 60er Jahre" (Verão do Amor – Arte Psicodélica dos Anos 60), da editora alemã Katje Cantz.

■ ARTISTAS

Quase todas as bandas alemãs desse período e de países vizinhos foram "colocadas" pela mídia no sub-gênero Krautrock, mesmo não seguindo o estilo experimental caraterístico desse segmento musical. Pode-se destacar como bandas características e representativas do Krautrock:

KRAFTWERK
Tal como Holger Czukay do CAN, Ralf Hutter e Florian Schneider também estudaram com Stockhausen. Quando a indústria discográfica alemã percebeu que havia público para a nova sonoridade que se desenhava no final dos anos 60 e que levou ao aparecimento de labels especializadas como a Ohr ou a Brain uma estranha permeabilidade à experimentação abriu espaço em catálogos mais conservadores para aventuras radicalmente experimentais. Foi o caso do ORGANISATION que editou "Tonefloat" em 1970 na circunspecta RCA alemã. Com a mistura de flauta e percussão procurava-se uma nova linguagem, distintamente alemã e substancialmente diferente do Rock. A mudança de nome para KRAFTWERK (que significa usina de força) e a transferência para a igualmente improvável PolyGram em nada contribuíram para amansar a visão de Hutter e Schneider que no tema «Vom Himmel Hoch» já recorriam à electrónica e a gravações de bombardeamentos. Mas foi em 1974 que "Autobahn" realizou inteiramente a visão do KRAFTWERK. Já com Wolfgang Flür a bordo e com o influente engenheiro de som Konrad Plank aos comandos da mesa de mixagem, pareciam ter encontrado a chave mais desconcertantemente simples para o corte com o passado: a ideia de movimento, movimento em direcção ao... futuro. "Autobahn" celebrava as vias de comunicação, relembrava os anos passados com a citação «Fun, Fun, Fun» dos Beach Boys e celebrava as novas sonoridades electrónicas produzidas pelos novíssimos sintetizadores. Na autobiografia I Was a Robot (Sanctuary Publishing, 2000), Wolfgang Flür recorda o momento em que Ralf Hutter lhe mostrou, orgulhoso, o seu primeiro Minimoog, «que naquele tempo custava tanto como um Volkswagen», primeira ferramenta na construção de uma visão singular de futuro que, em 1975, levou o famoso crítico norte-americano Lester Bangs a responder à pergunta «Para onde é que vai o Rock?» lançada pelo seu editor com a certeira frase «está a ser dominado pelos alemães e pelas máquinas». Bangs tinha acabado de ouvir "Autobahn". Os álbuns seguintes dp KRAFTWERK: "Radio-Activity" (1975), "Trans Europe Express" (1977), "The Man Machine" (1978) ou "Computer World" (1981), prosseguiram a visão celebratória de um futuro crescentemente tecnológico com uma música profundamente influente que teve igualmente a capacidade de ultrapassar as margens da década de 70 que, pelo menos criativamente, se revelaram praticamente inultrapassáveis para outros membros da sua geração.

TANGERINE DREAM
Formado em 1967, pelo tecladista Edgar Froese, a carreira da banda é dividida em várias fases. A primeira iniciada em 1969 e terminada em 1973, marca uma sonoridade inspirada no PINK FLOYD de Syd Barrett, com várias intervenções de teclados, e efeitos sonoros, e é bem caracterisitica da cena Krautrock. Destaque para os discos "Zeit" (1972) duplo com uma proposta ousada de uma "sinfonia eletrônica espacial", e "Atem" (1973) que incluía elementos tribais em algumas faixas.

AMON DÜÜL
Nasceu em 1967 como um grupo radical de arte política de Munique. O nome vêm da junção entre o nome do deus egípcio Amon e de um personagem obscuro da ficção turca, Düül. O grupo rapidamente ganhou status de cult pela sua liberdade em relação à improvisações musicais, geralmente envolvendo acontecimentos ou demonstrações do movimento juvenil politizado da época. Internamente, o grupo estimulava a liberdade artística, valorizando entusiasmo e atitude mais do que habilidade artística. A formação da banda era fluida, bem receptiva à entrada de novos membros, característica que seria comum aos diversos grupos de Krautrock posteriormente. "Psychedelic Underground" de 1969, é o disco mais famoso da banda e contém os elementos contra-culturais - raízes do movimento Krautrock

AMON DÜÜL II
Apesar do espírito colaborativo do AMON DÜÜL, uma facção era mais ambiciosa musicalmente, com técnica mais apurada, o que levou a uma separação em 1969. O grupo dissidente veio a realizar sua ambições musicais, entre elas o uso de sintetizadores, música eletrônica e as diversas experimentações que ocorreram na música da Alemanha da época, com bandas como NEU!, KRAFTWERK, HARMONIA, FAUST e CAN. O primeiro disco dessa fase é um álbum muito original e excêntrico chamado "Phallus Dei" (1969). Em seguida, quase com os mesmos músicos, a banda gravou o seminal "Yeti" (1970). Um álbum na mesma linha que o anterior, porém mais elaborado (com algumas canções estruturadas e inúmeras peças de improvisações épica). "Yeti" projeta a banda para fora da Alemanha. No mesmo ano, o baixista Dave Anderson deixa a banda para se juntar ao inglês HAWKWIND. "Tanz der Lemminge" é um trabalho impressionante com uma grande diversidade de experimentações, músicas emocionantes com alguns acentos Folk e "silêncios". Gravado em 1972, "Carnival in Babylon", anuncia uma nova direção musical tomada pela banda. Este álbum é dominado por músicas curtas com o onipresente e bonito vocal de Renate Knaup. Um trabalho mais convencional, com alguns memoráveis baladas Folk. O período clássico da banda termina com "Wolf City" (1972) e "Viva La Trance" (1973).

FAUST
A banda ficou conhecida pela apresentação visual e inovadora de seus discos. Os shows, altamente performáticos, incluía combinações inusitadas de luzes, poesias e pinturas ao vivo. O álbum de estréia foi editado com vinil e capa transparentes, incluindo a radiografia de um punho impressa com a técnica do silk screen na parte frontal da capa. Em "So Far" (1972), além do farto uso do preto, no encarte há imagens que remetem, cada uma, às faixas do vinil. "Faust IV" (1973), por sua vez, traz em sua capa uma pauta musical totalmente em branco e esta talvez seja a imagem que melhor traduz o som livre do grupo. Atualmente, o Faust é considerado os precursores de estilos como a música industrial, Noise Rock e o Ambient, fato que os torna uma das bandas alemãs de maior influência sobre a música pop contemporânea, ao lado de conterrâneos como KRAFTWERK e CAN.

CAN
Denominado THE CAN até 1970, foi fundado em Cologne no ano de 1968, por Holger Czukay (baixo), Irmin Schmidt (teclados), Michael Karoli (guitarra) e Jaki Liebezeit (bateria). O grupo teve vários vocalistas, incluindo Malcolm Mooney (1968-1970) e Damo Suzuki (1970-73), além de vários membros temporários. Foi um dos mais importantes do movimento krautrock, possuindo um estilo musical baseado em bandas de Rock de garagem como THE VELVET UNDERGROUND, com influência de música experimental. À partir da base Vanguarda/Jazz, incorporou elementos minimalistas, eletrônicos e World Music em sua música sonoridade psicodélica e influenciada pelo Funk. Através de álbuns como "Monster Movie" (1969), "Tago Mago"(1971), "Ege Bamyasi" (1972) e "Future Days" (1973), a banda exerceu considerável influência no Avant-Gard, Pós-Punk, Ambient, New Wave e música eletrônica.

POPOL VUH
Foi um dos expoentes da vanguarda eletrônica alemã fundada pelo pianista e tecladista Florian Fricke em 1969, juntamente com Holger Trülzsch (percussão), Frank Fiedler (engenheiro de gravação e assistência técnica) e Bettina Fricke (tablas e produção). Outros membros importantes durante as próximas duas décadas incluíram Djong Yun, Renata Knaup, Conny Veit, Daniel Fichelscher, Klaus Wiese e Robert Eliscu. A banda recebeu esse nome de um manuscrito que contém a mitologia do povo pós-clássico Quiché Maia das terras altas da Guatemala e do sudeste do México; o nome se traduz aproximadamente como "local de encontro", já na língua Quiché, se traduz como "Livro da Comunidade", "Livro do Conselho", ou mais literalmente como "Livro do Povo". O grupo influenciou muitas outras bandas européias com sua instrumentação única, mais elaborada, inspirada na música do Tibete, da África e da América pré-colombiana. Com a música por vezes descrita como "etérea", criaram paisagens sonoras através de paredes psicodélicas de som e são consideradas precursoras da World Music contemporânea, bem como da New Age Music e da Ambient Music. A banda contribuiu com trilhas sonoras para os filmes de Werner Herzog, incluindo "Aguirre, the Wrath of God" (1975), bem como "Nosferatu" (1978) e "Herz aus Glas" (1977).

Na música de todas essas bandas assim como na música de AGITATION FREE, FLOH DE COLOGNE, NEU!, EMBRYO, ASH RA TEMPEL, XHOL CARAVAN, MYTHOS, THRISTY MOON, LA DUSSELDORF, HARMONIA ou COSMIC JOKERS entre outras grandes bandas alemãs da década de 70 existem coordenadas tão vastas e tão dispersas que identificá-las pelo termo Krautrock pode até parecer um erro grosseiro. Mas a verdade é que no meio de todos esses «freak-outs», dos gritos, do feedback, dos drones, do pulsar mecânico, existia um claro e comum desejo de superação. Sobretudo da história e do injusto legado com que todos foram confrontados. E por desejar tanto o futuro, uma música assim nunca se conformaria em ficar encerrada no passado. Como já foi dito anteriormente muitas outras bandas surgiram na Alemanha nesse período e em anos posteriores mas muitas delas seguiram caminhos tradicionais do Rock Progressivo, apenas introduzindo um jeito alemão de composição (geralmente na lingua natal) e execução sem a preocupação com inovações e/ou pesquisas sonoras. Mas esse já é um tema para ser abordando mais adiante.

O LEGADO

Vários gêneros musicais surgiram com a evolução da musica criada pelo movimento vanguardista alemão inspirado na Música Eletrônica e experimental. Hoje podemos considerar que a Música Ambiente, o Space Prog, o Avant Garde, o New Wave, Pós-Punk, o Technopop e a New Age Music, beberam na fonte alemã do Krautrock, muitas até como o próprio KRAFTWERK que se tornou uma banda com características POP, sendo cultuada por inúmeros artistas da década de 80 e que se revezaram nas rádios criando verdadeiros hits.

Texto por:
Il Trovatore
  • Fontes de pesquisa:
    • Enciclopédia do Prog por Leonardo Nahoum
    • Progarchives
    • Wikipedia
    • BLITZ 
    • DW Made For Minds


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