Artista: SHAMAN
País: Brasil
Gênero: Prog-Metal
Álbum: Ritual
Ano: 2002
Duração: 56:48
Não é muito correto dizer, como li em alguns lugares/sites, que o grupo SHAMAN veio do fim da banda ANGRA. Ambas mantiveram-se bem ativas no decorrer de sua existência, e as duas tiveram mudanças na formação com o passar dos álbuns. Aliás, o último trabalho de cada uma delas foram, respectivamente, em 2022 e 2023, portanto talvez ainda estejam na ativa. Por outro lado, acredito que os estilos sejam diferentes: embora eu não conheça bem os discos deles, sobretudo no caso do ANGRA (o material que escutei, no caso um disco e meio, é muito pesado e extremo para meu gosto), me arrisco a afirmar que SHAMAN tem uma proposta mais voltada para o prog-metal, e ANGRA pende mais para o metal extremo.
Gostaria de fazer uma menção especial ao vocalista André Matos, pois ele labutou na cena metaleira pelo menos desde 1985, quando integrou o grupo VIPER, que fez um pouco de sucesso na Região Sudeste. Além do mais, ele lançou alguns trabalhos em carreira solo, e colaborou com músicos de outros países, no caso Alemanha e Finlândia, e foi convidado para participar de lançamentos de outros grupos brasileiros ou multi-nacionais. Nesse quesito, destaco suas colaborações com EPICA, SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA e AVANTASIA. Em seu currículo constam regência orquestral, composição musical, habilitação em canto lírico e habilitação em piano erudito. A presença e importância dele ainda podem ser sentidas não só no legado que ele deixou, como também no sucesso obtido com a exibição de seu documentário em diversas salas de cinema. Há umas singularidades bem impressionantes sobre esse documentário; citarei duas. A primeira é que ele tem 3 partes, cada uma das quais foi lançada num ano diferente - a primeira em 2021, a segunda em 2023, e a terceira já está sendo feita. Desconheço músico brasileiro do rock ou do metal que tenha ganhado uma homenagem tão robusta. A outra singularidade marcante é que a quantidade de público surpreendeu nas sessões no cinema, a ponto de grandes redes (por exemplo, Cinemark) terem contratado, algumas vezes, a película. André Matos faleceu em 2019, aos 47 anos, e sem demora o prefeito de São Paulo na época decretou o dia 8 de junho, quando foi a morte dele, como o Dia Municipal do Metal.
Voltando a falar de "Ritual", o disco de estréia do SHAMAN, ele contou com ilustres convidados, como MARCUS VIANNA, DEREK SHERINIAN e FÁBIO RIBEIRO, além de muitos outros convidados nacionais de renome. O álbum foi quase todo gravado na Alemanha, e a tour dele realizou 150 shows em 3 continentes diferentes. Ufa! Doravante, vamos à minha análise do disco.
Começa esotérico, vai para umas marcações rítmicas tribais, que viram uma levada sinfônica bem parecida com SAGRADO. Portanto, flertando com new age, mas com um punhado de camadas. Segue assim até o final da 1a e curta faixa. A segunda faixa emenda com essa, mas a proposta é totalmente diferente. Muita guitarreira e uma pegada muito mais firme na bateria. O finado André Matos manda muito bem nos vocais, modulando bem a altura, e até oferecendo alguns relances de interpretação. As construções harmônicas são bem feitas, e algumas mudanças de cadência colaboram para manter o interesse na composição. Os arranjos não são tão bem elaborados, mas entregam um bom produto. Até mesmo por conta de que as viradas são consistentemente precisas. Da metade em diante executam umas mudanças de arranjos e idéias, usando com esplendor o piano. Mais para o final há alguns elementos sinfônicos, tornando a música mais melodiosa.
A 3a faixa começa com um leve clima Halloween. Os fraseados na guitarra são cortantes, muito bem apoiados pelo baixo, e pelas camadas da bateria. Aí entra uma seção rítmica firme e constante. Que eventualmente muda de compasso e faz umas boas viradas. Gostaria de apontar que o estilo desse músico nessa obra tem o tipo de pegada que me agrada no prog metal. Intenso, porém sem exageros, e sem obnubilar os outros instrumentos. Alguns elementos sinfônicos são acrescentados pelos sintetizadores no decorrer de sua execução. Os timbres ficam levemente mais graves em um dado momento, antes da entrada de um poderoso solo de guitarra. Um piano costura, sem pressa, alguns elementos das harmonias, enquanto notas longas na guitarra, e uma bateria inventiva, apresentam uma profusão de idéias com espantosa coesão. Só tenho um pouco de restrição a essa faixa com o que considero um certo excesso de repetição do refrão.
Um violão folk, com flauta, abrem a música seguinte, os vocais estão de acordo, e tudo lembra uma mistrura de GRYPHON com JETHRO TULL. Um pouco de transfiguração se dá com a entrada da guitarra, cujo peso não chega a levar a música para o prog metal, mas a coloca mais no lado do heavy-prog. Um banjo dá um toque especial aos arranjos, que sofre uma sutil mudança pouco mais adiante, ficando mais sinfônico, com o violino e o sintetizador. Interessantes harmonias poli-vocais surgem aqui e ali. É uma música com sabor de grandiosidade e elevação espiritual, temperado com quantidade avantajada de variações de compassos. O final tem aquele toque inconfundível do violino do MARCUS VIANNA, acompanhado de vocalizações aveludadas.
Um piano envolvente compõe a estrutura da abertura da 5a música. De repente entram acelerados, para bater cabeça. Entretanto, não o tempo todo, pois há umas partes em que certos instrumentos ficam mais amenos. São poucos esses momentos, e por isso essa faixa acaba ficando um tantinho repetitiva, mesmo com os elementos sinfônicos, em segundo plano, que lhe são adicionados. Concluem bem.
Vozes de crianças são escutadas um pouco ao longe, enquanto um sininho é tocado algumas vezes, no início da próxima faixa. Entra a pancadaria, mas breve, pois desenvolvem uam abordagem menos intensa na seção rítmica, que vai alternando com as execuções mais pesadas. Os vocais de André mais uma vez se adaptam muito bem às mudanças de massa e densidade no decorrer da música. Fazem umas guitarreiras e o que parece ser uma flauta no sintetizador com tons árabes. Muito genial e maneiro! Sobrevém um solo nos teclados, para a entrada de um piano quase clássico. Esbanjam criatividade sem se perderem.
Entram cantos líricos, quase gregorianos, junto com a suavidade do André, em tons medievais, na 7a música; tudo parece se passar na Inglaterra vitoriana. Inclusive, quando passam para a performance mais pesada, ficam meio apoteóticos. Voltam para os toques medievais, e conseguem logo depois passar para um tipo de folk-metal, com um belo coro ao fundo. Pouco após a metade ficam eloquentes e grandiosos, com uma curta participação de pequena flauta e grande participação de alguns sons orquestrais.
Não há uma introdução na 8a faixa. É prog-metal com um pé no heavy-prog. Tem alguns detalhes interessantes, mas eles ficam muito em segundo plano, e como as seções rítmicas dessa vez estão menos inventivas, eu diria que essa performance é o ponto menos alto da obra. Os solos de teclados e sobretudo da guitarra não deixam a peteca cair muito.
As harmonias vocais no início da faixa-título estão particularmente bem trabalhadas. Ainda não cheguei a comentar sobre isso: André não tem um canto poderoso e/ou um alcance ou timbre que se destaquem, mas ele sabe usar muito bem os recursos que tem. Quanto ao instrumental dessa música, há mudanças fluidas e sofisticadas de harmonias e cadencias. As combinações entre os instrumentos estão mais diferentes agora. Há alguns poucos elementos psicodélicos de segundo plano. Ao fim a música vai diminuindo de volume até parar. O que seria o encerramento do disco não acontece.
Pois ainda tem a última faixa, bastante acelerada em todos os aspectos. Intensa é uma boa definição. André desenvolve alguns timbres fabulosos, e quando ele combina tão bem com outro vocalista, isso se torna a cereja nessa composição. Entretanto, como há poucas mudanças de harmonias, eu também não coloco essa faixa entre os destaques.
Faixas:
01. Ancient Winds (3:16)
02. Here I Am (5:56)
03. Distant Thunder (6:22)
04. For Tomorrow (6:47)
05. Time Will Come (5:32)
06. Over Your Head (6:37)
07. Fairy Tale (6:56)
08. Blind Spell (4:34)
09. Ritual (6:37)
10. Pride (4:11)
Músicos:
- André Matos / vocais, piano, teclados
- Hugo Mariutti / guitarra, teclados
- Luis Mariutti / baixo
- Ricardo Confessori / bateria, teclados, congas & timbales (8)
Com:
- Tobias Sammet / co-vocalista (10) & backing vocals
- Rannveig Sif Sigurdardottir / vocais (2,7)
- Sascha Paeth / violão (4,7), guitarra (10), co-produtor
- Ademar Farinha / violão & quena, sampona, charango & bombo (4)
- Claudia Lemos / violão & quena, sampona, charango & bombo (4)
- Michael Rodenberg "Miro" / teclados, programação
- Axel Naschke / teclados, backing vocals
- Fabio Ribeiro / solos de teclado (8)
- Derek Sherinian / solos de teclado (6)
- Marcus Vianna / violino de 5 cordas & dilruba (1,4,6)
- Cristiano Bicudo / gaita de foles (5)
- Vanessa Desiderio / gaita de foles (5)
- George Mouzayek / djembe & daf (6)
- Anette Barryman / flauta barroca (7)
Discografia:
2002 ● Ritual
2003 ● RituAlive
2005 ● Reason
2007 ● Immortal
2010 ● Origins
2022 ● Rescue
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