BIRTH CONTROL


BIRTH CONTROL
por Daniel Gonçalves – Roqueiro Sem Fronteiras
 
Os primeiros anos (1966-1970)

Uma banda que chama a atenção logo de cara pela arte exposta nas capas. Sempre com algum tema provocativo, impressiona a relevância dos assuntos candentes nos dias atuais. Estou falando da banda alemã de hard rock clássico chamada “Birth Control” (Controle de Natalidade, na tradução livre). Aliás o nome da banda surgiu a partir do posicionamento do Papa Paulo VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, 1897-1978) ser contrário ao uso de pílulas anticoncepcionais. Para compreender melhor, temos que dar um salto temporal para o ano de 1966, quando a banda surgiu, ainda em propósitos embrionários, com o repertório recheado de covers, entre eles artistas oriundos do Jazz e R&B, como a inglesa Julie Driscoll Tippett.

Boa parte das páginas especializadas em música informa que a banda surgiu em 1968, o que foi desmentido por Hugo Egon Balder (1950-), um dos fundadores da banda (baterista), em uma entrevista concedida em 2013, trazendo o mês de agosto de 1966 como o marco inicial. Ele faz questão de enfatizar nas entrevistas que concede que a banda só começou a fazer sucesso depois da saída dele, em 1968. Interpreto essa situação como uma casualidade, o sucesso atingido pela banda a partir de 1970 não está ligado com a saída do músico, mas sim pelo trabalho dos integrantes que seguiram com o projeto. Importante destacar que desde o surgimento da banda, ainda nos primeiros anos, sem álbum oficialmente lançado, houve várias trocas de integrantes (ninguém demitido, somente saídas espontâneas por motivos pessoais diversos).

Outro que fundou a banda e nela permaneceu foi o baixista Bernd Koschmidder, a época com 19 anos de idade. O nome da banda foi sugerido ao Balder pelo Manfred Gillig-Degrave (1950-), editor-chefe da revista Musikwoche. Uma história que provavelmente colocou de vez essa banda no mapa foi o convite que eles receberam para tocar por quase 3 meses no Líbano, no clube Les Caves du Roy, dentro do Hotel Excelsior, localizado na capital Beirute. Fiz uma pesquisa a respeito do local e tamanha foi a surpresa ao descobrir que ele ainda existe e é um dos clubes mais famosos do país.

Em um dos shows em Beirute, a banda conheceu o cantor Ricky Shayne (1944-), nascido no Egito, mas com ascendência libanesa e francesa, que estava passando férias na capital libanesa. O músico, já conhecido por uma batida mais pop ajudou a banda conseguindo uma entrevista para uma rede de televisão libanesa. A saída de Balder foi provocada na segunda metade de 1968, quando ele  e Koschmidder se envolveram num acidente automobilístico, em que Balder ficou muito ferido, sendo a partir daí proibido pelos pais de seguir na banda. Foi assim que Bernd Noske entrou para a banda. Verdade que se diga é que todos os envolvidos naquilo que hoje, com as lentes da atualidade, chamamos de banda, eram pessoas em idades estudantis, sem saber ao certo o que aconteceria, nada era de fato planejado, exceto o desejo pela música que residia de forma latente em cada um.

É interessante apontar que o Birth Control não surgiu do zero, digamos que outras duas bandas contribuíram em uma improvável fusão para que o BC surgisse. Sobre essas bandas, EARLS e GENTS, cujas informações são bem escassas, os caminhos dos integrantes meio que se cruzaram e sso foi ganhando forma até chegarmos ao primeiro single. A faixa “October” foi lançada em 1969, acompanhado no mesmo compacto por “Freedom”. Curioso é que essas músicas não entraram no lançamento completo de 1970, sendo incluídas anos mais tarde em novas prensagens remasterizadas como bônus. Nessa época, entre a gravação do álbum, em 1969 e o período de lançamento do disco, para pagar as contas, a banda fez shows de apoio (abertura) para músicos reconhecidos do público, como Peter Orloff (1944-) e Michael Holm (1943-).

Ao escutar o primeiro álbum da banda, lançado em 1970, pude tranquilamente não “comprar” a ideia de alguns segmentos de música que rotularam o grupo associando-a ao estilo “Krautrock”, experimentalismo com certo grau de sarcasmo que surgiu na Alemanha entre as décadas de 1960 e 1970. Reconheço que existem misturas de estilos, entre o rock tradicional com esboços progressivos, mas nada que seja essencialmente experimental. O contexto político também passava por uma efervescência, o presidente Gustav Walter Heinemann (1899-1976) havia assumido o controle do país em julho de 1969, sendo o primeiro social-democrata a ocupar a cadeira presidencial em 44 anos na Alemanha. Além de derrotar o candidato da direita Gerhard Schröder (1910-1989), ainda teve o desafio de promover os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique. O presidente ficou bastante conhecido na História por ter “aceitado” dos protestos estudantis de 1968 (época em que ocupava o cargo de Ministro da Justiça da Alemanha Ocidental).

Aliás a capa do álbum autointitulado alicerça um estilo que seguiria em cada lançamento seguinte da banda: a provocação. Nesse caso em especial, a capa do LP trazia a imagem de uma cartela de anticoncepcionais, com os integrantes ocupando o centro da arte, chancelando a convicção da banda em exercer a tão essencial e indispensável “liberdade de expressão”. Ainda em 1970, a banda participou do filme “Ich – Ein Groupie” (Eu – Uma Groupie), que conta a história de uma garota que se envolveu com um astro do rock por uma noite, sendo deixada para trás pelo roqueiro. Daí ela parte em uma viagem pela Europa para encontrá-lo, enfrentando vários desafios pelo caminho. Nessa onda que acaba encontrando o Birth Control, num bar, tocando “No Drugs”, faixa de abertura do álbum de estreia. Ao final deste artigo, deixarei um link para o filme, com legenda em espanhol, que encontrei ao longo das pesquisas. A banda de rock progressivo alemã Murphy Blend também faz participação (respeitando todas as limitações de época, o filme é bem legal), além de contar com a presença do saxofonista norte-americano Pony Poindexter (1926-1988), todos interpretando a si mesmos.

Calma que o ano de 1970 ainda não acabou para a banda. O Birth Control ainda seria visto em outra produção cinematográfica, dessa vez pelas fronteiras austríacas húngaras, novamente lado B (filmes de baixo orçamento), chamado “The Vampire Happening” (A Convenção dos Vampiros, na tradução livre), lançado em 1971. Na história a jovem norte-americana Betty Williams, interpretada pela atriz sueca Pia Degermark (1949-) herda um Castelo na Transilvânia e chegando lá descobre que sua ancestral é a Baronesa Catali, uma vampira do mais alto nível, que acaba ressuscitando e causando tumulto em todos que cruzarem o seu caminho. E o Birth Control foi parar nesse filme, que por sinal é raríssimo – a boa notícia é que encontrei o link - no final deste artigo. Ainda que no Brasil tenha sido lançado em 2010 numa coleção chamada “Lobisomens, Vampiros e Zumbis – Volume 2”, pela revista digital Showtime Clássicos, não encontrei disponível para compra. Por todas essas histórias é possível perceber que várias “portas” foram abertas para a banda (até a tumba do Conde Drácula – risos), muitas improváveis, mas que permitiram a exposição no mínimo com escrita permanente por meio de produções cinematográficas, sendo eternizadas naqueles contextos.

Sobre o álbum autointitulado e suas 7 músicas, que anos mais tarde foi turbinado com o primeiro single de duas faixas, e outras inclusões, posso dizer que tem muito rock nele, com os meios de produção disponíveis e uma vontade enorme de vez a luz do dia. E isso aconteceu! A última música é um cover da banda estadunidense The Doors, a poderosa e psicodélica “Light My Fire”, do álbum de estreia da banda, em 1967. A qualidade de produção não ficou à altura do original, mas reconheço a ousadia em inserir no álbum, abdicando de uma faixa própria (podia dar errado, mas com o retrovisor atual, funcionou muito bem). As faixas Recollection e Sundown são instrumentais, mas nenhuma monótona, ambas com arranjos criativos e “viajantes”. Todos os sites que consultei, ainda que não tenha utilizado todas as informações, informam que a faixa “Change of Mind” tem 4 minutos e 42 segundos, informação corrigida neste artigo, pois o correto são 3 minutos e 42 segundos (detalhes, mas que fazem a diferença).

Tentei estruturar da melhor maneira possível os primeiros anos da banda Birth Control, sem perder de vista o contexto político e social da época, importante para exercitarmos a imaginação sem nos perdermos nos devaneios da romantização. Foi a época em que o hard rock estava em pleno desenvolvimento, com o rock progressivo predominante no universo da música conceitual, sem contar que a dependência desses estilos ao Blues, Jazz e R&B eram explícitas. Felizmente ninguém atrapalhou ninguém e a música só expandiu em diversos conceitos criativos. A banda Birth Control seguiu lançando dezenas de álbuns ao longo das décadas seguintes, assuntos que terei o maior prazer em trazer em artigos futuros.

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Informações sobre o álbum:

Ano de lançamento: 1970.
Selo: Metronome.

Lista de músicas da versão original:

1. No drugs (4:01) – escrita por Bruno Frenzel.
2. Recollection (6:24) – assinada por Reinhold Sobotta.
3. Deep inside (4:40) – escrita por Bruno Frenzel.
4. Foolish action (4:32) – escrita por Bruno Frenzel.
5. Sundown (10:02) – assinada por Reinhold Sobotta.
6. Change of mind (3:42) – escrita por Bruno Frenzel.
7. Light my fire (5:40) – escrita por Jim Morrison, John Densmore, Ray Manzarek, Robby Krieger.

Total: 39:01.
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Integrantes:

Bruno Frenzel (1944-1983) guitarra / voz. [Falecido]
Reinhold Sobotta (1950-) órgão.
Bernd Koschmidder (1947-) baixo elétrico.
Bernd Noske (1946-2014) bateria / voz. [Falecido]
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Extensão do material (referências de pesquisa):

Site oficial da banda: http://www.birth-control.de (em alemão).

German Rock: https://germanrock.de/bands.php?bid=184 (em alemão).

Página oficial do clube Les Caves du Roy: https://www.facebook.com/LesCavesduRoyBeirut/ (em inglês).

Filme “Ich – Ein Groupie” (1970): https://m.ok.ru/video/6221725174430 (legenda em espanhol).

Filme “Gebissen wird nur nachts” A Convenção de Vampiros (1971):
https://m.ok.ru/video/5856430918260 (legenda em português).

2 comentários:

  1. Que interessante, não conhecia essa banda, irei ouvi-la com certeza. Parabéns pela matéria.

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  2. MUito bom! Esclarecedor. Essa banda é massa!

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