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quarta-feira, outubro 15

MAGMA ● MekanïkDestruktïw Kommandöh ● 1973

Artista: MAGMA
País: França
Gênero: Zeuhl
Álbum: Mekanïk Destruktïw Kommandöh
Ano: 1973

Não há a menor possibilidade de dúvida(s) de que essa banda criou um estilo próprio, o Zeuhl. E que tanto o estilo quanto o grupo seguem sendo uma referência para um punhado significativo de outras bandas. Isso não acontece da mesma forma com outros sub-gêneros. Nenhuma banda, no progressivo, pode reivindicar somente para si a criação de um estilo musical. Alguns até tentam fazer isso com FRANK ZAPPA, mas falar sobre um som Zappiano, e que só ele (e banda) teria(m) criado, gera muita controvérsia. Ademais, mesmo que fosse o caso, ZAPPA não criou um estilo que tenha ido além de seu nome. Farei agora uma breve descrição de algumas das características da sonoridade do MAGMA. Outra singularidade desse grupo é que sua instrumentação tem nuances que não são comuns no progressivo. 

O baixo costuma ter uma afinação diferente da habitual; a bateria faz muito uso de marchas; a guitarra faz pontuações, raramente apresenta fraseados completos e muito menos solos; e usa-se com frequência instrumentos de sopro, mas muito mais da forma como CARL ORFF e STRAVINSKY usavam, do que pela influência dos compositores barrocos ou clássicos. Por fim, e essa é a característica do MAGMA que mais o diferencia dos outros grupos, eles sempre (desde o primeiro disco) fizeram uso de uma linguagem “totalmente” inventada pelo Christian Vander, mentor da banda. À qual nomeou de Kobaiah. Essa língua é uma mistura de outras, de origem indo-européias, com algumas invenções cá e acolá. Mas calma, essa língua não tem uma sintaxe e gramática próprias: conforme Christian já relatou algumas vezes, há palavras que não significam nada, e estão lá somente para entregar certo(s) efeito(s) sonoro(s). Creio, embora eu não tenha total segurança a esse respeito, que os títulos das faixas dos discos e dos álbuns remetam sim, sempre (ou quase sempre) a algum(ns) significado(s) muito específico(s). Há ainda um outro ponto sobre a banda, que para ser mais exato tem mais a ver com o Christian Vander. O mesmo cita o saxofonista de jazz JOHN COLTRANE como uma (ou talvez a maior) influência em sua carreira, e sua grande fonte de inspiração. Christian era adotado, e seu pai, um músico de jazz em Paris, tinha notoriedade o suficiente para circularem entre nomes de mais peso do gênero, tanto de seu país, quanto os de fora que iam tocar lá. A primeira bateria de Vander foi dada por CHET BAKER, e ele recebeu suas primeiras aulas no instrumento com ELVIN JONES, o baterista do grupo de JOHN COLTRANE entre 1960 e 1965. Bem, COLTRANE enxergava a música como um meio de buscar a própria espiritualidade, e a meu ver é nisso que Vander (cabe pontuar que esse é o único membro fixo do grupo no decorrer de sua discografia, segundo um vídeo no canal de youtube Progland) encontra inspiração para seus trabalhos. Apesar de COLTRANE ter tido uma fase em que as estruturas musicais são meio repetitivas e incorporam alguns poucos elementos marciais, tendo aí uma vaga e distante semelhança com o instrumental do zeuhl, ainda assim as diferenças são muito significativas, tanto na concepção dos solos, das jams e dos arranjos. Vejamos mais alguns elementos sobre os quais baseio essa minha afirmação: Zeuhl significa música celestial, o que tem mais a ver com um conceito do que com estrutura(s) musical(is). Já ouvi falar um pouco sobre quais as histórias contidas em alguns de seus discos, e é muito recorrente, muito mesmo, temas como a busca de um indivíduo, e mais significativamente de grupos ou povos, pelo crescimento pessoal e iluminação. Por fim, e ainda nesse assunto da influência de COLTRANE, quando esse faleceu, Christian ficou mal, e fez uma espécie de retiro na Itália, por 2 anos. Assim corroborando que se tratava mais da Pessoa (no sentido antropológico e existencial) de COLTRANE, do que de sua música.

Todo esse enredo acima falou um pouco sobre o Magma e os elementos de sua música. Faltou dizer que o grupo foi criado em 1969. Pois bem, quando falamos em Zeuhl, a menção ao Magma não ocorre somente porque eles foram (e continuarão sendo por muito tempo ou para sempre) a maior banda do estilo. Magma tem conexões com outras bandas que também são do mesmo estilo. Em uma pesquisa superficial que fiz, em grupos como WEIDORJE, ZAO, ONE SHOT e GORGONE, entre seus integrantes, um ou mais músicos estiveram no Magma. Sem contar que na carreira solo de (ex-)músicos dessa banda, vez ou outra o zeuhl também se faz presente.

Agora vamos para o álbum. Há pessoas que entendem M.D.K. (abreviação dessa obra) como o marco inicial do estilo. Pois, embora elementos desse estilo tenham surgido em discos anteriores, esteticamente e instrumentalmente M.D.K. apresentou todos os elementos do Zeuhl, e com muita consistência e maturidade. Um exemplo de quem considera isso foi um vídeo no canal do youtube Progland, que discorre sobre esse trabalho. Ainda segundo essa fonte, Kobaiah designa um grupo de seres humanos num futuro distante, que seguem para outro planeta por causa do atual estar em colapso, em degradação. Lá formaram uma civilização mais iluminada e adiantada. Segundo o mesmo vídeo, as histórias que sustentam os discos estão mais nos encartes do que nas letras. Agora, fazendo uso de outra fonte, no caso o Wikipedia, fica claro que M.D.K. estava sendo gestado pelo menos desde 1971. Em diferentes momentos daquele ano essa composição foi apresentada ao vivo pelo grupo; em novembro, numa versão de 17:19, no Théâtre 140 em Bruxelas.

Agora, às minhas observações sobre o disco. O início se dá com uma marcha grave e firme, bem diferente do que havia até então, no rock, em termos de percussão. Essa diferença se dá pelos seguintes fatores: a afinação do baixo é peculiar, a guitarra está claramente comedida e fazendo intervenções bem pontuais, para não atrapalhar os ritmos, e os vocais funcionam muito como um instrumento a mais, igualmente rítmicos. Assim segue até ter uma mudança sutil mas extremamente genial, de arranjo, fazendo a música crescer. Esse crescendo acontece de novo quando entram os instrumentos de sopro, bem dramáticos. Identifico, no conjunto de metais, o trombone, e fico em dúvida se também tem tuba (não constam no encarte). Os vocais ficam um pouco mais repetitivos. Em dados momentos o elemento principal é o instrumental, em outros as harmonias vocais. E há uma dinâmica esplêndida na alternância entre os instrumentos quanto a quem assume as seções rítmicas. Não se fala muito sobre a guitarra nesse trabalho, mas considero-a primorosa. No último terço dessa música, aliás a mais longa do lançamento, há uma mudança significativa em quase tudo, mas a idéia geral continua a mesma. A composição fica mais acelerada, com um swing meio jazzístico e mais "celestial", abandonando inclusive parte da proposta marcial presente até então. Aqui o trabalho da guitarra, que já estava excelente, fica espetacular. Assim como todos os outros músicos. Enfim, uma música para a eternidade, e na qual a influência de STRAVINSKY (conferir, por exemplo, a obra Les Noces desse compositor erudito) está muito presente. A faixa posterior entrega outro clima, mais alegre. E ao mesmo tempo tem semelhanças com o último terço da faixa precedente. As levadas jazzísticas estão surgindo com mais volúpia, os timbres estão mais agudos. Há momentos mais épicos e grandiosos, como já havia ocorrido na faixa de abertura. As influências de Carmina Burana agora estão mais tangentes, sobretudo nos corais femininos. Quando está perto do meio, o andante fica um pouco mais barroco. O final tem harmonias vocais extraordinárias, altamente complexas e fluidas. A 3a faixa é irrefutavelmente uma continuação da composição. O início é mais acelerado, faz logo uma mudança de arranjos, trazendo sutilmente alguns elementos de blues. A música cresce rápido, com a colaboração dos metais, para em seguida dar uma acalmada e centrar os próximos passos nos vocais. É sensacional como os coros e os vocalistas principais vão desenvolvendo nuances nos timbres, altura e compassos. Dificílimo e surpreendente.

A primeira faixa do lado B é também a mesma música. Essas nuances nos vocais vão aparecendo, e de um modo geral vai ocorrendo uma desaceleração e o volume abaixa um pouco. Para então passar a outra sub-seção. Vem uma parte um pouco mais longa, com a mesma idéia de ir mudando sutilmente os diversos elementos dos vocais. Em certo ponto, vai começando a querer ficar repetitivo, mas o baixo garante alguns detalhes interessantes e certa versatilidade, assim como os vocais, dessa vez executando umas passagens quase estridentes. Nessa composição percebe-se que a língua criada por Vander não tem muitas palavras nem conjunções possíveis. Quando está mais para o final, vai aos poucos ficando quase festivo, com mais variação nos compassos, sobretudo nos vocais. Sem interrupção, o mesmo tema principal é assumido pelo piano na 5a faixa. Inicialmente meio baixo, com pontuações levemente dadaístas da guitarra. O baixo está constante, e sutilezas geniais vão acontecendo nas seções rítmicas. As notas dos vocais agora estão um pouco mais longas. Muito impressionante! Reza a lenda que esses vocais, que aqui vão ficando mais robustas, ao ponto de se tornarem estridentes e teatrais, apesar dos agudos altíssimos, é do próprio Christian. Em alguns momentos chegam a parecer como animais urrando. E por incrível que pareça funciona! Há uma carga dramática que vai aumentando junto com os agudos dos vocais. No final os vocais ficam apoteóticos. É, de fato, a música mais difícil para o ouvinte; e além disso considero que não está entre as melhores do trabalho. A próxima música, embora retome alguns temas rítmicos que já apareceram previamente, dentre os mais envolventes, não o faz por muito tempo. Antes da metade fica mais sinfônico e acelerado, tanto no instrumental quanto nos vocais, que dessa vez não têm estridências. Harmonias fenomenais, complexas, e uma guitarra penetrante (que no finalzinho produz uns efeitos bem inventivos) e metais intensos! A última faixa é relaxante, e realiza aquilo que a palavra zeuhl significa, com o coro, sobretudo o feminino, bem parecido com certas passagens de Carmina Burana. A cadência está mais tranquila. Entretanto, isso muda, com a música se transformando para algo mais sinistro, numa marcha meio militar e meio fúnebre. E o disco termina com um silvo.
M.D.K. é a última parte de uma trilogia denominada Theusz Hamtaack. As duas primeiras partes são chamadas, respectivamente, de Theusz Hamtaack e Wurdah ïtah. Enquanto a segunda parte foi lançada um ano depois do M.D.K., Theusz Hamtaack nunca ganhou, até o momento (abril de 2025), uma versão de estúdio. A trilogia completa pode ser conferida na live Theusz Hamtaack - Trilogie, de 2001. E a primeira parte da trilogia pode ser encontrada em outras lives, como as da apresentação deles na BBC, em 1974; num CD triplo de shows realizados em 1976; no Retrospektïw I-II; no Zühn Wöhl Ünsaï - Live 1974, entre outras lives.

Faixas:
01. Hortz Fur Dëhn Stekëhn Ẁest (9:34)
02. Ïma Sürï Dondaï (4:28)
03. Kobaïa Is De Hündïn (3:35)
04. Da Zeuhl Ẁortz Mëkanïk (7:48)
05. Nebëhr Gudahtt (6:00)
06. Mëkanïk Kömmandöh (4:08)
07. Kreühn Köhrmahn Iss De Hündïn (3:14)

Músicos:
- Christian Vander / bateria & percussão, órgão, vocais
- Klaus Blasquiz / vocais, percussão
- Jannik Top / baixo
- Teddy Lasry / metais, flauta, condutor
- Jean-Luc Manderlier / piano, órgão
- Claude Olmos / guitarra
- René Garber / clarinete-baixo, vocais
- Doris Reihnardt, Evelyne Razymovski, Michèle Saulnier, Muriel Streisfeld, Stella Vander / coro

Discografia:
1970 ● Magma [álbum duplo].
1971 ● 1001° Centigrades [Aka: 2].
1973 ● Mekanïk Destruktïw Kommandöh.
1974 ● Christian Vander: Tristan et Iseult [Aka: Ẁurdah Ïtah] (OST).
1974 ● Köhntarkösz.
1975 ● Live/Hhaï (Köhntark).
1976 ● Üdü Ẁüdü.
1977 ● Inédits. Live.
1978 ● Attahk.
1981 ● Retrospektïẁ III. Live.
1981 ● Retrospektïẁ I-II. Live.
1984 ● Merci.
1989 ● Mekanïk Kommandöh.
1992 ● Concert 1992, Douarnenez: Live.
1995 ● Concert Bobino 1981. Live.
1996 ● Concert 1971, Bruxelles - Théâtre 140. Live.
1996 ● Concert 1975, Toulouse - Théâtre Du Taur. Live.
1996 ● Concert 1976, Opéra De Reims. Live.
1999 ● BBC 1974 - Londres. Live.
2001 ● Theusz Hamtaahk - Trilogie. Live.
2004 ● K.A (Köhntarkösz Anteria).
2008 ● Bourges 1979. Live.
2009 ● Live in Tokyo.
2009 ● Ëmëhntëhtt-Ré.
2012 ● Félicité Thösz.
2014 ● Rïah Sahïltaahk.
2014 ● Zühn Wöhl Ünsaï - Live 1974.
2015 ● Retrospektïẁ I. Live.
2015 ● Retrospektïẁ II. Live.
2015 ● Slaǧ Tanƶ.
2018 ● Marquee Londres 17 Mars 1974. Live.
2019 ● Zëss - Le Jour du Néant.
2021 ● Eskähl 2020 (Bordeaux-Toulouse-Perpignan). Live.
2022 ● Kãrtëhl.

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